EvidênciasCientíficas

Nesta secção analisamos alguns estudos que embasam cientificamente o uso da cirurgia robótica em doenças do tórax e traduzimos para uma linguagem mais acessível os resultados destes estudos. É importante ressaltar que não foi nosso objetivo fazer uma revisão sistemática sobre o assunto e nem uma análise metodológica detalhada de cada trabalho, mas sim resumir resultados de forma simples para o leitor não especialista que queira se aprofundar no assunto. Ao final de cada texto há links com as referências bibliográficas pertinentes.

Esta é uma pergunta muito importante que, todavia, não tem ainda uma resposta definitiva. A melhor forma de abordar esta questão seria através de um ensaio clínico randomizado, no qual pacientes seriam separados de forma aleatória em grupos (robô vs. Vídeo vs. Aberta) e os resultados comparados diretamente. Infelizmente, não há na literatura médica estudos com este desenho que foquem na pergunta proposta.

Apesar de oferecerem uma evidência menos sólida que os ensaios clínicos randomizados, os estudos pareados permitem comparação entre técnicas. Nestes estudos, os pesquisadores utilizam grandes bancos de dados para coletar informações de pacientes que foram submetidos a cirurgia por diferentes técnicas. O maior esforço nos estudos pareados é constituir grupos que sejam semelhantes em suas características basais para que a comparação de resultados seja justa. Para tanto, pesquisadores utilizam técnicas que pareiam os pacientes de cada grupo de forma que os pacientes incluídos na comparação tenham, por exemplo, idade semelhante, tumores de tamanho semelhante, mesmo perfil de doenças coexistentes (hipertensão, diabetes, etc.) e por aí vai.

Esta metodologia foi usada em 4 estudos (links ao final do texto) que objetivaram comparar resultados da cirurgia robótica, aberta e por vídeo para resseções pulmonares. Dois destes estudos, publicados em 2014 (Swanson et al. e Kent et al.), utilizaram grandes bancos de dados norte-americanos (Premier e SEER, respectivamente) para coletar informações referentes a pacientes submetidos a ressecções pulmonares. No estudo de Swanson e cols., que comparou robótica e videotoracoscopia, os autores após o pareamento não encontraram diferenças quanto à ocorrência de complicações intra ou pós-operatórias. Contudo, demonstram em sua análise que a cirurgia robótica estaria associada a maior tempo operatório e maiores custos. No estudo de Kent e cols., os autores demonstraram vantagens da cirurgia robótica quando comparada à cirurgia aberta quanto à mortalidade operatória, complicações pós-operatórias e tempo de internação. Ainda que os resultados deste estudo também parecessem favorecer a cirurgia robótica quando comparada à videotoracoscopia, não foi demonstrada diferença estatística significativa entre estes dois grupos.

Os estudos publicados em 2014 representam casos da experiência inicial de grande parte dos cirurgiões robóticos e casos de uma experiência mais madura com a videotoracoscopia e cirurgia aberta. Portanto, a equivalência observada nos estudos foi muito importante para a impulsionar a técnica que se popularizou e começou a ser praticada por mais cirurgiões. Um outro ponto importante é que o número de casos robóticos incluídos nos estudos era pequeno, 430 (estudo de Kent e cols.) e 295 (lobectomias no estudo de Swanson e cols.). Tais números tornam difícil a detecção de diferenças estatisticamente significativas, apesar das tendências favorecendo a robótica observadas em especial no estudo de Kent e cols.

Em 2016, Louie e cols. publicaram um estudo pareado por escores de propensão comparando videotoracoscopia e cirurgia robótica,. A fonte dos dados foi o banco de dados da Sociedade de Cirurgiões Torácicos (STS, importante sociedade norte-americana). Este estudo incluiu 1220 casos no braço robótica, numero maior que os estudos anteriores. Os autores não detectaram diferenças significativas quanto à taxa de complicações. Contudo, mostraram menor tempo de internação, sugerindo que talvez os pacientes submetidos a cirurgia robótica, tenham melhor recuperação. Mostrou também menor taxa de reoperação por sangramento, talvez por uma dissecção mais precisa e delicada executada pelas pinças robóticas que têm maior destreza que os instrumentos convencionais de videotoracoscopia.

Em 2017, Oh e cols. publicaram um estudo pareado utilizando a base de dados Premier, a mesma que tinha sido analisada em 2014 por Swanson e cols.. Contudo, nesta nova análise, o número de casos robóticos era muito maior, os autores mostram que no início de 2011 as lobectomias robóticas representavam 7,6% do total enquanto que no final de 2015 este número saltou para 17,5%. Neste estudo os autores incluíram 2951 casos no braço cirurgia robótica, na comparação com videotoracoscopia e 2775 na comparação com videotoracoscopia. Semelhantemente ao que Kent e cols. já tinham apontado, os autores demonstraram que a cirurgia robótica,, em relação à cirurgia aberta, estava associada a menor mortalidade cirúrgica, taxa de complicação e tempo de internação. Porém, este é o primeiro estudo que demonstra menores taxas de complicações e tempo de internação para a cirurgia robótica, quando comparada à videotoracoscopia. O contraste observado com os resultados anteriores é provavelmente consequência do aumento de pacientes na comparação e, principalmente, do aumento de experiência dos cirurgiões e refinamento da técnica.

Em conclusão, ainda que não haja uma resposta definitiva para a pergunta colocada no início deste texto, a literatura científica suporta a cirurgia robótica, como uma técnica superior em termos de complicações e recuperação pós-operatória quando comparada à cirurgia aberta. Estudos mais recentes, também mostram vantagens da cirurgia robótica sobre a videotoracoscopia.

Bibliografia

Swanson SJ, Miller DL, McKenna RJ Jr, Howington J, Marshall MB, Yoo AC, Moore M, Gunnarsson CL, Meyers BF. Comparing robot-assisted thoracic surgical lobectomy with conventional video-assisted thoracic surgical lobectomy and wedge resection: results from a multihospital database (Premier). J Thorac Cardiovasc Surg. 2014 Mar;147(3):929-37.

Kent M, Wang T, Whyte R, Curran T, Flores R, Gangadharan S. Open, video-assisted thoracic surgery, and robotic lobectomy: review of a national database. Ann Thorac Surg. 2014 Jan;97(1):236-42;

Louie BE, Wilson JL, Kim S, Cerfolio RJ, Park BJ, Farivar AS, Vallières E, Aye RW, Burfeind WR Jr, Block MI. Comparison of Video-Assisted Thoracoscopic Surgery and Robotic Approaches for Clinical Stage I and Stage II Non-Small Cell Lung Cancer Using The Society of Thoracic Surgeons Database. Ann Thorac Surg. 2016 Sep;102(3):917-924.

Oh DS, Reddy RM, Gorrepati ML, Mehendale S, Reed MF. Robotic-Assisted, Video-Assisted Thoracoscopic and Open Lobectomy: Propensity-Matched Analysis of Recent Premier Data. Ann Thorac Surg. 2017 Nov;104(5):1733-1740.

Estudos recentes publicados pela Sociedade Internacional para o Estudo do Câncer de Pulmão (sigla em inglês IASLC) demonstram a relevância da completude da ressecção para uma maior chance de cura em pacientes que são operados para câncer de pulmão. Ou seja, confirmam a premissa, um tanto óbvia, de que a remoção completa do tumor aumenta a chance de deixar o paciente livre da doença. Não tão obvio, porém, é o fato de que para a ressecção ser considerada completa, deve ser deixada uma margem de segurança (espaço entre o tumor e a área de corte) e retirados os linfonodos da região do tumor. Linfonodos são gânglios linfáticos que funcionam como um filtro, eles retêm células tumorais que eventualmente se desprendam do tumor original para se espalhar pelo corpo. Uma margem muito pequena e a não remoção adequada dos linfonodos aumenta a chance de recorrência de câncer reduzindo, portanto, a chance de cura.

Não é fácil mensurar a qualidade da cirurgia para câncer de pulmão, principalmente no que se refere à extensão da remoção dos linfonodos. Sem dúvida, a comparação direta e randomizada de sobrevivência em 5 anos após a diferentes técnicas de cirurgia seria a forma mais objetiva de avaliar esta qualidade, infelizmente isto é algo muito difícil de executar na prática e não há estudos publicados com este desenho (para uma explicação sobre desenhos de estudo, leia o inicio deste outro texto). Logo, a forma mais utilizada para estimar a qualidade da ressecção linfonodal é a quantificação do upstaging. Esta palavra em inglês, nos remete à capacidade da cirurgia em mudar o estádio do câncer de pulmão. Ou seja, a porcentagem de casos com doença em linfonodos identificada após a cirurgia. Considerando que os pacientes tenham feito uma avaliação pré-operatória adequada, a identificação de novos casos com linfonodos comprometidos por tumor (upstaging) refletiria a extensão e completude da remoção destes linfonodos.

A cirurgia minimamente invasiva, seja por videotoracoscopia ou cirurgia robótica, vem demonstrando vantagens em termos de ocorrência de complicações pós-operatórias. Mas quanto à qualidade oncológica dos procedimentos, a evidencia é menos substancial. Alguns estudos por escores de propensão (checar este texto se quiser uma definição do que são escores de propensão) demonstraram que a sobrevivência após ressecção por videotoracoscopia ou por cirurgia aberta foi semelhante. Contudo, três outros estudos questionaram a completude dos procedimentos por vídeo. No primeiro, publicado em 2010 (Denlinger e cols.), uma série norte-americana, os autores encontraram um menor numero de linfonodos dissecados em pacientes submetidos a videocirurgia. Em outro, uma análise do banco de dados dinamarquês (Licht e cols.), os autores identificaram menor upstaging em pacientes submetidos a cirurgia por vídeo. Por fim, numa análise do banco de dados da Sociedade de Cirurgiões Torácicos (STS – importante sociedade norte-americana) publicada em 2012 (Boffa e cols.), os autores demonstraram que o upstaging era menor para os linfonodos do hilo pulmonar nos pacientes submetidos a videotoracoscopia. Os achados deste ultimo estudo foram reproduzidos num trabalho publicado em 2016 (Medbery e cols.) no qual os autores utilizaram dados do Banco de Dados de Cancer americano e encontram menor upstaging naqueles submetidos a videocirurgia. Este fato foi mais relevante em instituições menos experientes, ressaltando o papel da expertise para uma boa qualidade em cirurgias por vídeo. Ainda que estes resultados sejam de difícil interpretação, levantam a possibilidade de que, de forma geral, a videocirurgia esteja associada a uma ressecção linfonodal inferior à cirurgia aberta.

Em um interessante artigo publicado por Martin e cols. em 2016, os autores usaram o registro de câncer do Kentucky para comparar os resultados oncológicos de pacientes submetidos a ressecção de Câncer de Pulmão por cirurgia aberta, videotoracoscopia ou cirurgia robótica. Concluíram que pacientes submetidos a ressecção por videotoracoscopia tinham menor taxa de upstaging quando comparados a cirurgia aberta ou robótica, as quais apresentavam resultados semelhantes quando comparadas entre si. Tal diferença foi particularmente significativa para os linfonodos do hilo pulmonar, cuja disseção é mais complexa pela proximidade com as artérias e vias do pulmão, achado este semelhante aos encontrados no estudo de Boffa e cols. publicado em 2012 e posteriormente no de Medbery e cols. em 2016. Recentemente, o estudo de Zirafa e cols. comparou o upstaging linfonodal após cirurgia aberta e robótica para o Câncer de Pulmão e reafirmou os achados de Martin e cols, não encontrando diferenças entre estas duas técnicas. Basicamente, estes dois trabalhos sugerem que a cirurgia robótica tem qualidade de dissecção linfonodal semelhante à da cirurgia aberta, que seria ligeiramente melhor que a da cirurgia por vídeo. Este fato provavelmente se deve à maior mobilidade das pinças robóticas que permite uma dissecção mais elaborada dos linfonodos do hilo pulmonar.

Um outro estudo que ressalta a qualidade oncológica da cirurgia robótica para o tratamento do câncer de pulmão foi publicado por Cerfolio e cols. em 2018. Esta é uma série de casos multi-insitucional e internacional que reuniu dados de 1339 pacientes operados em 4 instituições, sendo 3 nos EUA e 1 na Itália. Os autores analisaram a sobrevida de longo-prazo destes pacientes e encontraram taxa de sobrevivência muito acima da estimada pela Sociedade Internacional para o Estudo de Câncer de Pulmão (IASLC). Um exemplo bastante marcante foi a sobrevida em cinco anos observada de 62% para pacientes em Estadio IIIA, a IASLC estima sobrevida em 5 anos de 24% para esta população. Ainda que aí existam muitos vieses, em especial quanto à seleção dos pacientes, estes números sugerem que a robótica possa ser o novo paradigma em cirurgia para Câncer de Pulmão e novos estudos comparativos devem confirmar este fato.

Bibliografia:

Denlinger CE, Fernandez F, Meyers BF, Pratt W, Zoole JB, Patterson GA, Krupnick AS, Kreisel D, Crabtree T. Lymph node evaluation in video-assisted thoracoscopic lobectomy versus lobectomy by thoracotomy. Ann Thorac Surg. 2010 Jun;89(6):1730-5.

Licht PB, Jørgensen OD, Ladegaard L, Jakobsen E. A national study of nodal upstaging after thoracoscopic versus open lobectomy for clinical stage I lung cancer. Ann Thorac Surg. 2013 Sep;96(3):943-9.

Boffa DJ, Kosinski AS, Paul S, Mitchell JD, Onaitis M. Lymph node evaluation by open or video-assisted approaches in 11,500 anatomic lung cancer resections. Ann Thorac Surg. 2012 Aug;94(2):347-53;

Medbery RL, Gillespie TW, Liu Y, Nickleach DC, Lipscomb J, Sancheti MS, Pickens A, Force SD, Fernandez FG. Nodal Upstaging Is More Common with Thoracotomy than with VATS During Lobectomy for Early-Stage Lung Cancer: An Analysis from the National Cancer Data Base. J Thorac Oncol. 2016 Feb;11(2):222-33.

Martin JT, Durbin EB, Chen L, Gal T, Mahan A, Ferraris V, Zwischenberger J. Nodal Upstaging During Lung Cancer Resection Is Associated With Surgical Approach. Ann Thorac Surg. 2016 Jan;101(1):238-44;

Zirafa C, Aprile V, Ricciardi S, Romano G, Davini F, Cavaliere I, Alì G, Fontanini G, Melfi F. Nodal upstaging evaluation in NSCLC patients treated by robotic lobectomy. Surg Endosc. 2018 Jun 25. doi: 10.1007/s00464-018-6288-8. [Epub ahead of print]

Cerfolio RJ, Ghanim AF, Dylewski M, Veronesi G, Spaggiari L, Park BJ. The long-term survival of robotic lobectomy for non-small cell lung cancer: A multi-institutional study. J Thorac Cardiovasc Surg. 2018 Feb;155(2):778-786.